Entrevistas

Koulsy Lamko  é autor do livro La Falena de Las Colinas entre outros ensaios e artigos. Atualmente é professor universitario  e diretor da Casa Hankili  África, onde  concedeu esta entrevista  que gerou também um perfil a partir do qual é possível vislumbar certos matizes da história da África contemporânea e  conhecer a sua linguagem literária.

Este slideshow necessita de JavaScript.

Leandra Silva

Da Cidade do México

Março de 2013

Em seu livro,  Las Falenas  de Las  Colinas há  uma voz  duplamente feminina que se manifesta primeiro por ser a fala de uma mulher e  depois por ser a fala de uma borboleta,  um símbolo feminino. Como  é  o exercício escrever sobre  um universo tão  particular?

É engraçado  você perguntar isso, por que é por isso mesmo que sou um escritor. Não creio que haja uma inspiração que seja masculina ou uma que seja feminina, a inspiração é a mesma. E o escritor  tem a capacidade de  buscar o  que é inefável, pois alcança de modo mais fácil que os demais. Me perguntaram  “como como você  pode  falar em lugar de uma mulher  violada?” Seria necessário ter  uma experiência  antes de  falar? Creio que é normal como  o escritor que sou,  ter a capacidade de interpretar vozes. Não é extraordinário por fim  poder conter um personagem feminino e falar  em seu lugar, são por fim personagens.

Mas  o que desperta a curiosidade é saber como foi o  processo, como sua sensibilidade alcançou aquele personagem?

Em Las Falenas de  la Colinas   falo sobre o genocídio  dos Tutsis em Ruanda. Em   1994  durante  três meses, há uma parte da população  que matou 1 milhão de pessoas, e não é algo comum, é um genocídio. Há na  história  do mundo muitos genocídios, mas em Àfrica há um genocídio chegando como  continuidade  de outros  que tivemos.

“Fala-se  muito do processo trans atlântico em que milhares de pessoas foram levadas da África para se  disseminar  pelo mundo . Mas tivemos  em África  a colonização  europeia e  não foi um  baile, eles  chegaram e mataram milhões,  como no  caso do Congo Belga  em que  se matou 12 milhões de pessoas-  é  o dobro do  que se fala dos judeus  na Segunda  Guerra  Mundial”.

Temos uma historia  de genocídio pontuadas por guerras fomentadas pelo ocidente. Então, como não estar sensível a uma evento deste tipo? Como não narrar um fato tão   terrível?  E o que me contaram as mulheres como perderam seus esposos, os crânios que vi   nas igrejas,  os meninos nas ruas.

Em seu livro há uma forte crítica às religiões. Como você vê deus, a vida a  e a morte?

Eu como indivíduo não acredito  no deus cristão, Alá, não tenho essa  crença, respeito  quem as tem, mas sou ateu. Creio que  as sociedades tradicionais africanas, antes da chegada dos cristãos e do islamismo, tinham em sua maioria uma forma de se relacionar com a natureza.  Há quem chame essas religiões de animismo. Acredito  que essas religiões tradicionais que   cultuam   as forças  da natureza na árvore , no rio que passa, ou no raio que cai, esta gente  por fim,  tem como ponto central o culto de seus ancestrais.

“Me parece mais  justo,  do que o que   se faz   hoje  na maioria  dos  países africanos   que dizem ser cristãos, mas quando se sentem debilitados em sua  relação com seu mundo voltam a buscar os feiticeiros, a buscar a pessoas   que  conhecem  as ervas que   podem cura-los”.

 

Creio mais neles como parte de uma história legítima.  Quando chegaram os muçulmanos, os árabes,  vieram a escravizar as pessoas, obrigaram as pessoas  a aceitar  a sua religião e seguem fazendo até hoje. Quando chegaram  os  cristãos, vieram com suas bíblias e também com as  suas metralhadoras. Estas  religiões que se pretendem religiões de amor,  de um deus barbudo que esta no céu… são pretextos para a mistificação das  pessoas, para obrigar  as pessoas a adotar um  tipo de ordem  que servem a interesses econômicos.

E como  ateu  você compartilha da visão  cosmogônica da forma de  espiritualidade de seus ancestrais?

Compartilho no sentido de entender , não de praticar como tal. Não estou fazendo um culto, nunca  pus uma máscara ritual,  mas entendo   mais eles,  por que o que tem como  visão, é uma visão  integrante de sua cosmogonia, de sua história e de sua materialidade. Quando alguém diz “meus ancestrais é meus deus”, tem razão, pois é graças a seus ancestrais que está vivo.

O que você acha do  fenômeno das igrejas  evangélicas  que estão indo para  o continente  africano  atualmente?

Creio  que   como disse Karl Marx “A religião é o opio  do povo”.  Há igrejas dos Estados Unidos que  investem muito  para enviar  pastores  a lugares tão  distantes: são batistas, evangélicos  e cada qual se sente como mensageiro de Deus.  

“Todos  querem  estar presentes   no continente africano: europeus, americanos, chineses, cada um quer sacar o  que puder. É o god business”.

Fale um pouco  sobre a personagem Pelouse,   essa mulher que   volta para a Àfrica, e tem o desafio de entende-la.

Ela é filha de  pais ruandeses africanos mas nasceu  na França, e volta para acompanhar uma  equipe de jornalistas em uma missão que vem para  esclarecer as implicações  da participação francesa   no genocídio. O  que passa  é  que  esta estadia   se torna um processo  iniciático,  que implica por aceitar suas raízes. Ela passa  por  muito percalços, para  que possa entender  que não poderá  ficar na superfície.

Há  que se ir    mais profundamente e isto  implica em aceitar que ela  tem em si mesma   alguém como  Muyango- tornillo zafado, que é um poeta maldito, alguém que não toma banho há meses, e que carrega por fim toda a dor  do genocídio.

Aceita-lo com  seu odor   de morte, e se não se acerca  disso não pode compreender realmente o que  se passa naquele povo, naquela realidade.

Os afro descendentes  tem  às vezes, uma visão idealizada  da  África para o bem e para  o mal. Como você vê esse processo de busca por uma Àfrica que imaginamos?

Para  mim o esforço  que pode fazer  um afrodescendente para conhecer a Àfrica é muito salutar, é alguém que está buscando   suas raízes e esta tentando estabelecer  relação  com uma pessoa que,  quem sabe  pode ser um primo  distante de um de seus  parentes.  Em todos os lugares  do mundo,  os povos  negros tem sempre que estar  se justificando e enfrentando o olhar dos  demais povos  e por causa disso precisamos  estar unidos.

Em contra partida os africanos se perguntam, “onde  estão os nossos que saíram da África”?

Tudo depende de qual africano, por  que  sãos  muitas áfricasHá pessoas que tem instrução, conhecimento para saber que há uma  parte de nós que está disseminada em outros continentes. Tomas Sankara era um entusiasta  quando se falava da afro diáspora, e por isso se criou  festivais e  outras  atividades  para que africanos e  afrodescendentes pudessem  participar. Mas  há também  países que tem  70 % da população que  não  vai á escola… e que não tem  esse tipo de  conhecimento.  A união Africana  por exemplo,  reconhece  que a diáspora é a 6º  região da Àfrica.

Oque  você  pensa sobre o renascimento Africano?

É  uma temática muito importante,  principalmente  por conta  do processo de aculturação.

“As pessoas não sabem   o que  que foi a força  da colonização. Pois o homem  branco se foi fisicamente, mas deixou sua cabeça”.

É  o que  Frantz Fanon trata em Peles Negras Máscaras Brancas.  Temos 50 anos de independências das nações, mas nossos governos continuam seguindo modelos ocidentais. Pensar  em termos de renascimento,  é afirmar que   estamos orgulhosos de sermos africanos,  de aceitar  o que somos,  nossa cosmogonia, tecnologia,  formas de convivência,  de pensamento, nossas línguas(  que não são meros dialetos). É dizer   para mim como individuo  e  para o coletivo o que  realmente sou e não estar  sobre  o julgamento do ocidente.

 Leia aqui  o perfil  de Koulsy Lamko e mais detalhes sobre  seu livro

Este projeto  é apoiado pelo Programa de Intercâmbio e Difusão Cultural, por meio do Edital de Intercâmbio n. 2/2012 da Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura. Ministério da Cultura/ Brasil.

 APOIO:

Uma resposta em “Entrevistas

  1. Pingback: O MUNDO AFRICANO E A ÁFRICA MUNDANA NAS PALAVRAS DE KOULSY LAMKO | Africas

Deixe um comentário